sexta-feira, 11 de setembro de 2015

No Caminho com Maiakóvski


O fenômeno de 15 versos globais    

O niteroiense Eduardo Alves da Costa é autor de um dos poemas mais famosos da literatura brasileira – mas que, por infelicidade, é muitas vezes atribuído a autores tão diversos quanto Maiakovski, Borges, Jung e García Márquez. “No Caminho, com Maiakovski” já virou de camiseta da campanha pelas Diretas Já a pôster em cafés europeus e corrente da Internet. Depois de anos esgotado em livro, o poema dá nome a esta reunião da obra poética completa de Costa, dono de um fazer poético vigoroso, impactante, de cunho social, que mistura erudição, criatividade no trato da língua e comunicação imediata com o leitor. Um livro imperdível para a biblioteca de qualquer amante de poesia que se preze.
Da luta contra a ditadura à novela “Mulheres Apaixonadas”, a fantástica história de um poema brasileiro atribuído a Wladimir Maiakovski, García Márquez e Bertolt Brecht – entre outros
Não há quem não conheça os 15 versos mais do que famosos:
“Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.”
Eles fazem parte, desde 1968, quando foram escritos, de um longo poema do brasileiro Eduardo Alves da Costa, que nasceu em Niterói e vive desde a infância em São Paulo. Por algum motivo, foram logo atribuídos pelo escritor Roberto Freire, na epígrafe de um de seus livros, ao poeta russo Wladimir Maiakovski. O equívoco foi corrigido, mas a falsa autoria pegou: os versos foram transformados em pôster pelos líderes estudantis que combateram a ditadura militar, nos anos 70; transformados em inscrição da camiseta amarela da campanha pelas Diretas Já, nos anos 80: e, traduzidos para vários idiomas, transformados em corrente na Internet, nos anos 90. Aí, o autor já não era nem Eduardo nem Maiakóvski, mas Gabriel García Márquez, Bertolt Brecht, Wilhelm Reich e Leopold Senghor, entre outros.
Eduardo, poeta e artista plástico que já expôs na França na Alemanha, viu o poema impresso – e atribuído a Maiakóvski – na parede de uma galeria de arte em Paris e num café em Praga, na Tchecoslováquia. Recentemente, foi motivo de mais uma polêmica quando o autor de telenovelas Manoel Carlos colocou um de seus personagens declamando os conhecidos versos na novela “Mulheres Apaixonadas”, para 70 milhões de telespectadores. Uma crítica de TV deu nota zero para Manoel Carlos por ter dado a autoria correta: para a distraída jornalista, o autor ainda era… Maiakóvski.
O equívoco realimentou a polêmica: Manoel Carlos criou um diálogo, no capítulo seguinte, esclarecendo o erro – não dele, mas da jornalista – e contando a verdadeira história do poema. Milhares de telespectadores congestionaram os telefones da emissora perguntando onde encontrar o livro que contém o poema. Estava esgotado, mas Eduardo não teve dúvidas: procurou editoras interessadas em relançar sua obra, fora das livrarias há mais de 15 anos, e apenas uma – a Geração Editorial – aceitou o desafio de reeditá-la em duas semanas, a tempo de fazer o lançamento ainda dentro da novela – que terminaria no dia 10 de outubro.
É este livro, “No Caminho com Maiakóvski”, com todos os poemas de Eduardo Alves da Costa – a obra publicada até 1986 e os poemas inéditos – que chega agora às livrarias, com tiragem de 5.000 exemplares (significativa para livros de poesia) e todo o apoio do teledramaturgo Manoel Carlos e parte do elenco da novela, que se dispuseram a homenagear o autor na noite de autógrafos, dia 12 de outubro (um domingo) na Livraria Argumento, no Rio. Uma grande alegria para Eduardo, que, depois de quase 40 anos, vê seu poema mais famoso ser conhecido, de repente, por 70 milhões de pessoas.
Eduardo Alves da Costa, um homem totalmente discreto, que jamais fez alarde com o equívoco, até mesmo quando assumiu dimensão internacional, nem ao menos é autor de uma obra única: publicou vários livros de poesia e contos e é dono de um fazer poético vigoroso, impactante, de cunho social, que mistura erudição, criatividade no trato da língua e comunicação imediata com o leitor. O drama humano é o que o interessa. Mesmo quando faz poemas autobiográficos, seus versos criticam todo um pensar consolidado/tipificado pela sociedade, que ele ataca com armas diversas, da amargura à revolta, da ironia ao humor.
Para Eduardo, não há concessões: a poesia, além de arma reflexiva, é um território e tanto para a crítica social. Crítica que ele faz de forma às vezes inusitada: seus versos podem criticar até mesmo a ganância dos banqueiros, o que ele fazia, nos anos 60, de forma tão criativa que, 40 anos depois, nem parece datada: as palavras ainda se encaixavam como uma luva na condenação ao sistema financeiro internacional, que sufoca as economias emergentes e impede países potencialmente ricos de crescer.
Quem ninguém busque em Eduardo Alves da Costa, no entanto, um poeta panfletário e pobre, daqueles que rimam ladrão com exploração: como uma espécie de Castro Alves do mundo globalizado, ele não tem vergonha de produzir versos que podem ser declamados – mas eles são modernos tão bem elaborados como os de qualquer bom poeta contemporâneo. A diferença, como já anotaram alguns críticos, é que eles pretender ser, e quase sempre são, quase épicos, na sua imponente entonação.
O Poema de Eduardo completo:
NO    CAMINHO    COM   MAIAKÓVSKI 
(Eduardo Alves da Costa)   
Assim como a criança humildemente afaga a imagem do herói, assim me aproximo de ti, Maiakóvski. Não importa o que me possa acontecer por andar ombro a ombro com um poeta soviético. Lendo teus versos, aprendi a ter coragem. Tu sabes, conheces melhor do que eu a velha história. Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada. Nos dias que correm a ninguém é dado repousar a cabeça alheia ao terror. Os humildes baixam a cerviz; e nós, que não temos pacto algum com os senhores do mundo, por temor nos calamos. No silêncio de meu quarto a ousadia me afogueia as faces e eu fantasio um levante; mas amanhã, diante do juiz, talvez meus lábios calem a verdade como um foco de germes capaz de me destruir. Olho ao redor e o que vejo e acabo por repetir são mentiras. Mal sabe a criança dizer mãe e a propaganda lhe destrói a consciência. A mim, quase me arrastam pela gola do paletó à porta do templo e me pedem que aguarde até que a Democracia se digne aparecer no balcão. Mas eu sei, porque não estou amedrontado a ponto de cegar, que ela tem uma espada a lhe espetar as costelas e o riso que nos mostra é uma tênue cortina lançada sobre os arsenais. Vamos ao campo e não os vemos ao nosso lado, no plantio. Mas ao tempo da colheita lá estão e acabam por nos roubar até o último grão de trigo. Dizem-nos que de nós emana o poder mas sempre o temos contra nós. Dizem-nos que é preciso defender nossos lares mas se nos rebelamos contra a opressão é sobre nós que marcham os soldados. E por temor eu me calo, por temor aceito a condição de falso democrata e rotulo meus gestos com a palavra liberdade, procurando, num sorriso, esconder minha dor diante de meus superiores. Mas dentro de mim, com a potência de um milhão de vozes, o coração grita - MENTIRA! 

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